Hoje lhes apresento o escritor Yasunari Kawabara. Prêmio Nobel em 1968, ele é considerado um dos representantes máximos da literatura japonesa do século XX. Nascido em Osaka em 1899, após uma infância solitária e sofrida, interessou-se cedo pelos clássicos japoneses, que viriam a ser uma de suas grandes inspirações. Kawabara estudou literatura na Universidade Imperial de Tóquio e foi um dos fundadores da Bungei Jidai, revista literária influenciada pelo movimento modernista ocidental. Acompanhado de jovens escritores, defenderia mais tarde os ideais da corrente neo-sensorialista que visava uma revolução nas letras japonesas e uma nova estética literária, deixando de lado o realismo em voga no Japão em prol de uma escrita lírica, impressionista, atravessada por imagens nada convencionais. Sua obsessão pelo mundo feminino, sexualidade humana e o tema da morte (presente em sua vida desde cedo, sob a forma da perda sucessiva de todos os seus familiares) renderam-lhe antológicas descrições de encontros sensuais, com toques de fantasia, rememoração, inefabilidade do desejo e tragédia pessoal. Desgastado por excesso de compromissos, doente e deprimido,Kawabata suicidou-se em 1972. Deixo para vocês um pequeno conto retirado do livro que dá título a esta nota.
AMOR TERRÍVEL
(Osoroshii ai, 1927)
Ele amara a esposa de maneira extrema. Isto é, amara demais uma única mulher. Por isso, passou a acreditar que a morte prematura da esposa fora um castigo do céu ao seu modo de amar. Fora isto, não conseguia encontrar nenhuma explicação para a morte dela.
Desde a morte da esposa, ele se manteve a distância de todas as mulheres. Nem mesmo uma empregada admitiu em casa. Os serviços de cozinha e de limpeza eram feitos por um servo. Isso não quer dizer que ele odiasse as mulheres. Era porque toda mulher, qualquer que fosse, parecia-lhe a imagem da falecida esposa. Por exemplo, todas elas cheiravam a peixe como a esposa. E isto também seria um castigo por tê-la amado em demasia. Assim, resignado, aceitara viver sem companhia de uma mulher.
No entanto, não pudera evitar na sua casa a presença de uma mulher: sua filha. Era óbvio que, mais do que todas as mulheres do mundo, ela se parecia com a falecida esposa.
A filha chegou à idade de freqüentar um colégio feminino.
No meio da noite, acendeu-se a luz do quarto da filha. Ele espreitou pela fresta do fusuma. A garota segurava uma pequena tesora. Sentada no tatame, com os joelhos levantados, permanecia por muito tempo de cabeça pendida para frente, manuseando a tesoura. No dia seguinte, depois que a filha foi para o colégio, ele entrou no quarto dela, secretamente, e tomou a tesoura na mão. Analisando as lâminas brancas, sentiu calafrios e estremeceu.
No meio da noite, acendeu-se a luz do quarto da filha. Ele espreitou pela fresta do fusuma. A garota puxava para si um pano branco estendido sobre o leito, fez uma trouxa e, abraçando-o, saiu do quarto. Ouviu-se o ruído da água da torneira. Em seguida, ela acendeu o fogo no braseiro, cobriu-o com o pano branco e ficou sentada com um ar perdido. Depois, começou a chorar. Quando parou de chorar, começou a cortar as unhas sobre o pano. As unhas cortadas devem ter caído na brasa, pois quando retirou o pano ele sentiu náuseas com o cheiro de unhas queimadas.
Teve um sonho. A falecida esposa contava à filha que ele havia visto seu segredo.
A filha não olhava mais no rosto dele. Ele não a amava. Sentia arrepios ao pensar que mais um homem iria receber muitos castigos do céu por amar essa mulher.
Por fim, uma noite, enquanto ele estava deitado, a filha tentou acertar a garganta dele com um punhal. Ele sabia que isso aconteceria. Resignou-se, acreditando que era um castigo do céu por ter amado a esposa de maneira extrema, por ter amado demais uma mulher. Por isso, calmamente, permaneceu de olhos fechados. Sentindo que a filha executava a vingança da mãe, esperou a lâmina do punhal.
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