Sugerido ou estimulado pelos espelhos, pelas águas e pelos irmãos gêmeos, o conceito de duplo é comum a muitas nações. É verossímil supor que sentenças como "Um amigo é um outro eu", de Pitágoras, ou o "Conhece-te a ti mesmo" platônico se inspiraram nele. Na Alemanha chamaram-no Doppelganger; na Escócia, fetch, porque vem buscar (fetch) os homens para levá-los para a morte. Encontrar-se consigo mesmo é, por conseguinte, funesto; a trágica balada Ticonderoga, de Robert Louis Stevenson, fala de uma lenda sobre esse tema. Rercordemos também o estranho quadro How They Met Themselves, de Rossetti; dois amantes se encontram consigo mesmos no crepúsculo de um bosque. Seria o caso de citar exemplos análogos de Hawthorne, Dostoiévski e Alfred de Musset.
Para os judeus, contudo, o aparecimento do duplo não era presságio de morte próxima. Era a certeza de ter alcançado o estado profético. Assim explica Gershom Scholem. Uma tradição recolhida pelo Talmude narra o caso de um homem em busca de Deus que se encontrou consigo mesmo.
No relato "Willian Wilson", de Poe, o duplo é a consciência do herói. Este o mata e morre. Na poesia de Yeats, o duplo é nosso anverso, nosso contrário, aquele que nos complementa, aquele que nao somos nem seremos.
Plutarco escreve que os gregos deram o nome de "outro eu" ao representante de um rei. O duplo é uma idéia muito recorrente em toda cultura européia e existem muitas releituras de seu mito na contemporâneidade. Assim é rica a produção na poesia e na literatura.
Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem, Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo, Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: "Fui eu?" Deus sabe porque o escreveu.
Fernando Pessoa
Todas as máscaras da vida se debruçam para o meu rosto, na alta noite desprotegida em que experimento o meu gosto.
Cecília Meireles
Há noites em que, apenas iluminada pelo luar, olho fixamente o meu rosto no espelho. Surge-me então um espectro, de faces chupadas e olhos desmesuradamente grandes onde se lêem mágoas, angústias, desesperos, raivas e medos acumulados durante trinta e seis anos. Estendo-lhe a mão e…
O retrato de Dorian Gray
E no cinema o maravilhoso A DUPLA VIDA DE VERONICA de Krzysztof Kieslowski
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