sexta-feira, 27 de julho de 2012

O TEMPO E OS TEMPOS NA FOTOGRAFIA parte 5

A fotografia socialmente comprometida
Quem seguiu o caminho pavimentado por Bresson foi o brasileiro Sebastião Salgado, que vem polarizando as atenções da mídia como o mais aclamado fotógrafo em atividade, mormente após a publicação de seus três livros mais conhecidos - Trabalhadores, Terra e Êxodos. 
As semelhanças de percurso entre os dois fotógrafos não são poucas. Basta lembrar que Salgado se projetou internacionalmente integrando o seleto grupo de fotógrafos da Magnum, agência fundada por Bresson, e, tal como o velho mestre, adotou a câmera Leica, os filmes em preto-e-branco e a opção estética pela fotografia dita humanista. Os inúmeros pontos em comum, entretanto, não significam que o estilo fotográfico de ambos se assemelhe. 

Ao contrário, enquanto Bresson coleciona imagens capturadas ao sabor do acaso, Salgado interage com o fotografado e se compromete ideologicamente com as causas que elege para registrar, a exemplo de alguns fotógrafos documentaristas que o precederam, cuja obra foi marcada pelo caráter humanitário. Entre esses pioneiros da fotografia socialmente engajada, três nomes merecem destaque: Lewis Hine, que durante as primeiras décadas do século XX denunciou a exploração do trabalho infantil nos Estados Unidos;

Dorothea Lange, que retratou as devastadoras consequências da Grande Depressão sobre a população rural norte-americana da década de 1930;

e Eugene Smith, que no início da década de 1970 documentou os efeitos da poluição industrial sobre os pescadores da baía de Minamata, no Japão.

Não obstante, apesar das evidentes diferenças estilísticas, Bresson e Salgado têm em comum algo que vai muito além do equipamento e do interesse humanitário. Ambos perceberam o imenso potencial da fotografia enquanto linguagem e produziram, cada um a seu modo, uma densa narrativa visual da contemporaneidade. Em uma de suas muitas entrevistas, Sebastião Salgado chegou a dizer que as pessoas, de um modo geral, anda não se aperceberam de que a fotografia é uma espécie de linguagem transnacional que se comunica com todos os povos: "Buscamos durante muito tempo uma linguagem universal. Falou-se de esperanto, do inglês, do latim. Finalmente descobrimos uma linguagem universal, que é a imagem. A fotografia que faço aqui no Brasil vai ser difundida em dez, doze países, sem uma linha de tradução. Qualquer um que ler a minha imagem no Japão vai compreender, quem ler minha imagem na Índia vai compreender. A imagem é realmente uma escrita, uma linguagem universal".
Entretanto, foi necessário um longo percurso até que esse economista, com doutorado cursado na Universidade de Paris, chegasse a tal conclusão. Ainda criança, Sebastião Salgado costumava acompanhar seu pai em longas viagens de trem entre Aimorés, sua cidade natal no interior de Minas Gerais, e a capital, Belo Horizonte. A paisagem que admirava à janela do vagão, composta pelos fornos e trabalhadores das indústrias do Vale do Aço, marcaria o fotógrafo para sempre. As imagens que o menino registrou em suas retinas reaparecem em Trabalhadores (1993), livro de fotografias que documenta os estertores de um tempo em que o trabalho manual de homens e mulheres constituía o eixo do mundo, progressivamente eclipsado pelo acelerado processo de informatização da produção. "Fotografo com meus amigos, minha cidade, toda a minha história. Fotografo com a minha ideologia", declarou Salgado à BBC de Londres, quando do lançamento do livro.


Em 1994, após a repercussão internacional obtida por Trabalhadores, Sebastião Salgado resolveu sair da Magnum para trabalhar por conta própria, e criou a Amazonas Images, agência sediada na França, país onde o fotógrafo reside desde o exílio decorrente do Golpe Militar de 1964. Três anos depois publicava Terra (1997), um trabalho que trouxe à tona a face mais aguerrida da militância política de Salgado. O livro foi projetado às pressas e nasceu por conta do massacre de 19 trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, no dia 17 de abril de 1996. Informado do ocorrido, Salgado deslocou-se até o Pará a tempo de fotografar o velório e denunciar o descaso com que vinha sendo conduzida a questão agrária brasileira. Menos de um ano depois do livro, com prefácio de José Saramago e um CD encartado contendo quatro canções compostas e interpretadas por Chico Buarque de Hollanda, era lançado no Brasil, com os direitos integralmente doados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST.


O economista-fotógrafo dedicou-se então a registrar a lógica perversa da globalização, cujo aspecto mais sombrio é constituído pelos gigantescos fluxos populacionais que perambulam em trânsito por todos os continentes. Em alguns casos, esses refugiados do nosso tempo migram para fugir de conflitos políticos, étnicos e religiosos; outras vezes se deslocam em busca de melhores oportunidades de vida nas cidades, contribuindo para intensificar o surgimento de megalópoles com níveis de violência e miséria até então insuspeitados. O mundo não se encontrava mais diante de um êxodo bíblico, como aquele que em outros tempos conduziu os judeus à terra prometida através do Mar Vermelho. A migração agora era planetária e o êxodo vinha no plural. Com o sugestivo título de Êxodos (2000), o ensaio fotográfico daí resultante foi publicado simultaneamente em sete países e deu origem à maior mostra individual da história da fotografia.


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