Austera, obstinada, virtuosa, subiu ao trono da Inglaterra, em 1838, Alexandrina Vitória, que implantaria um estilo marcante de governo durante os 63 anos de seu reinado. O povo inglês sofria ainda as conseqüências negativas da Revolução Industrial (1780): o abandono do campo pela cidade sujeitava o homem a baixos salários; a classe operária exigia maiores direitos e garantias diante das brutais condições de trabalho das fábricas recém-criadas e lutava pela sua representação no Parlamento, recorrendo a agitações e revoltas; e, finalmente, a superprodução de mercadorias não absorvidas pelo mercado interno havia levado o país a uma profunda depressão econômica.
Assessorada por uma elite de políticos e economistas brilhantes, a rainha Vitória, movida pela pressão dos acontecimentos, transformaria a Inglaterra no maior império colonial depois de Roma, através de conquistas e domínios nos cinco continentes.
Enquanto isso acontecia, o jovem Charles Dodgson, filho mais velho de uma família relativamente abastada, entretinha seus sete irmãos com jogos e passatempos criados por ele mesmo. Nascido na pequena cidade de Daresbury, próxima de Manchester, em 1832, o aparentemente dócil Charles preparava-se para seguir a carreira que seu pai lhe apontara: a de membro do clero da Igreja da Inglaterra.
O rigor das escolhas que freqüentou tornou-o gago. Mas os anos passados na Universidade de Oxford foram mais brandos: diplomou-se com louvor e foi convidado a permanecer naquele estabelecimento, lecionando Matemática. Nesse período Charles publicou poemas e contos na revista The train. Foi seu editor que lhe sugeriu o pseudônimo de Lewis Carroll.
Na Universidade, tornara-se amigo das três filhas do novo diretor. Da mesma forma que distraía seus irmãos quando pequenos, Lewis Carroll cativou-as contando-lhes histórias imaginadas por ele mesmo. Tímido e retraído entre adultos, estava sempre à vontade no meio das crianças. Sua predileção por Alice - uma das três irmãs - levou-o a contar-lhe uma história em que ela própria era a personagem principal. Alice, encantada, pediu a Carroll que escrevesse essas aventuras para ela. O pequeno volume ilustrado e escrito por ele foi lido e relido por todos os amigos de Alice. Em 1866, Carroll resolveu publicá-lo com o título de Alice no País das Maravilhas, e alguns anos depois escreveu Através do espelho e o que Alice encontrou lá: ambos descrevem aventuras vividas por Alice enquanto sonhava.
Em meados deste século, Freud, o pai da psicanálise, realizou as primeiras pesquisas sobre a natureza do sonho. Seu discípulo Jung acrescentou, mais tarde, novas e importantes informações nesse campo. Desde então, a ciência não avançou muito nos seus estudos sobre o sonho. Sabe-se, porém, que a intensa atividade cerebral durante o sono indica que todos sonhamos e que isso é indispensável à nossa saúde mental. Ao criar situações e personagens absurdas, Lewis Carroll tornou-se o primeiro escritor a trabalhar comas peculiaridades do mundo onírico, onde tudo é possível e os acontecimentos são sempre imprevisíveis. Nele, o Tempo pode adiantar a hora do almoço, a Rainha condena as criaturas à morte mas ninguém é executado, os animais convivem em condições de igualdade com os seres humanos.
Desde a sua publicação, filósofos, psicólogos e estudiosos de literatura têm se dedicado a analisar a obra-prima de Carroll. E embora as conclusões sejam muito diferentes entre si, há mais de um século admira-se o talento original e sensível do criador de Alice, que procurava na linguagem convencional novas e desconcertantes possibilidades de expressão. "Cuide do sentido e os sons das palavras cuidarão de si mesmos" - diz a Duquesa a Alice, numa das passagens do livro, exprimindo, com certeza, um ponto de vista do próprio autor.
Carroll publicou ainda, com seu nome de batismo - Dodgson - obras didáticas sobre matemática e lógica, tratando essas ciências frequëntemente sob o prisma do humor.
Morreu em Guildford, no sul da Inglaterra, em 1898, feliz com a montagem teatral das aventuras de Alice no País das Maravilhas.
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